sábado, 31 de outubro de 2009

Ferreira Gullar, ao entardecer !

" A vida muda como a cor dos frutos
lentamente
e para sempre
A vida muda como a flor em fruto
velozmente
A vida muda como a água em folhas
o sonho em luz elétrica
a rosa desembrulha do carbono
o pássaro, da boca
mas
quando for tempo
E é tempo todo tempo
mas
Não basta um século para fazer a pétala
que um só minuto faz
ou não
mas
a vida muda
a vida muda o morto em multidão. "

Ferreira Gullar - Dentro da Noite veloz ( Poemas)

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O QUE FAZER ? ( como diria Lenin)

Eu sou muito feliz
Porém não sei o que fazer
Eu sou muito triste
Mas sei tudo o que tenho de fazer

De noite no meu quarto
Vejo vultos na parede
E eles me dizem o que fazer !
A rua molhada, os carros passando, a chuva na janela,
Tudo me diz perfeitamente o que fazer !

Nada neste mundo me pertence
E no entanto é tudo meu;
Eu só quero uma pequena galinha
Que ponha ovos prá mim
E não me diga o que fazer !

Evoé !
( xuviskovic )

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

descarga elétrica ( hai kai )

A verdade ,

Está no relâmpago !

segunda-feira, 9 de março de 2009

Caprichos & Relaxos - A poesia de Paulo Leminski

"das coisas
que eu fiz a metro
todos saberão
quantos quilômetros
são


aquelas
em centímetros
sentimentos mínimos
ímpetos infinitos
não ?"

Quem conhece Paulo Leminski, o kami-quase( em suas próprias palavras) curitibano, faixa preta em judô e poeta de coração que mandou ver nos anos 80 e hoje me parece um tanto esquecido ?
Deixou também uma considerável produção de hai-kais, verdadeiras pérolas de concisão e profundidade:

lua de outono
por ti
quantos sem sono

minha discreta homenagem ao judoca-zen- curitibano( discípulo de Bashô e Haroldo de Campos) que foi cedo demais( os melhores , as vezes, vão cedo demais ). Escolhi o nome deste blog inspirado numa obra do Leminski, intitulada "distraídos venceremos"editada pela editora brasiliense em 1987. Bons Tempos!

" quatro dias sem te ver
e não mudaste nada

falta açucar na limonada

me perdi da minha namorada

nadei nadei e não dei em nada

sempre o mesmo poeta de bosta
perdendo tempo com a humanidade "

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Miss Lonelyhearts

"Um homem é contratado para dar conselhos aos leitores de um jornal. O emprego é um atraso de vida, e o jornal inteiro o considera uma piada. Ele aceita o emprego porque poderia levar a uma coluna de fofocas e, de qualquer modo, está cansado de ser repórter. Também considera o emprego uma piada mas, depois de vários meses, a piada começa a perder graça . Percebe que a maioria das cartas são súplicas profundamente humildes...expressões de um sofrimento genuíno. Descobre também que seus correspondentes o levam a sério. Pela primeira vez na vida, é obrigado a examinar os valores que governam a sua vida. Esse exame lhe mostra que é vítima da piada, e não seu prepetrador. "

Extraídas do texto, estas palavras resumem a situação de Miss Lonelyhearts, o correspondente sentimental e religioso de um jornal de Nova York. A Srta. Corações Solitários, anjo caído da moderna ficção americana, navega num oceano de dramas pessoais que as vezes beiram o absurdo e , absurdamente, só tem sentido quando olhados pela ótica de um humor lascivo e desconcertante., repleto de símbolos religiosos. Lembro quando o velho/sábio Mário Quintana, cansado das placas e outdoors que infestam de desejos e sonhos de consumo nosso dia-a-dia, fulminou: Então decidimos olhar para os céus, mas os céus anunciam a glória do senhor ! Disse tudo .Olhai por nós, Miss Lonelyhearts ! Leia nossas cartas repletas de dramas e solidão e porfavor não nos deixe sós, ou então ao menos pranteie por nós antes de ir ao bar tomar um drinque com sua velha turma.

"Subitamente cansado, sentou-se num banco. Se ao menos pudesse atirar a pedra....Olhou para o céu em busca de um alvo. Mas o céu cinzento parecia ter sido apagado com uma borracha suja. Não apresentava nenhum anjo, cruzes flamejantes, pombas com ramos de oliva, rodas dentro de rodas. Apenas um jornal se debatia no ar como uma pipa com a vareta quebrada. Levantou-se e rumou de novo para o bar".
Nathanael West,1903-1940. Miss Lonelyhearts-Imago,1994

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Joyce Para Todos

" Umas batidas leves na vidraça fizeram-no virar-se em direção à janela. Recomeçava a nevar . Sonolento, ele observou os flocos prateados e escuros, caindo obliquamente contra a luz do lampião. Chegara o momento de iniciar sua viagem para o oeste.É, os jornais tinham acertado: nevava em toda a Irlanda. Caía neve por toda a sombria planície central, nas montanhas desprovidas de árvores, nevava com brandura sobre o Blog of Allen e, mais para o oeste, nevava delicadamente sobre as ondas escuras e rebeldes de Shannon. Caía também no cemitério solitário da colina onde jazia Michael Furey. Acumulava sobre as cruzes inclinadas e sobre as lápides, sobre as pontas das grades do portão, sobre os espinhos. Sua alma desfalecia-se lentamente enquanto ele ouvia a neve precipitando-se placidamente no universo, placidamente precipitando-se, descendo como a hora final sobre todos os vivos e todos os mortos ".

James Joyce, Dublinenses/ Os Mortos.

O parágrafo final deste Conto de Joyce é fantástico, um dos grandes momentos da literatura do século XX( a meu ver, é claro).É poético e manso como a morte, lembra a saudade de um lugar onde nunca fomos...é possível sim ouvir o discreto ruído da neve caindo, silenciosamente, placidamente, sobre todos os vivos e os mortos. A filmagem de John Huston para este conto também é magistral ( acho que Angelica Huston, a filha, está presente ).

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Poesia a golpes de martelo/ Não esqueçam o velho Enzensberger

Rondó

Falar é fácil.

Mas, não se comem palavras.
Portanto, faze pão.
Fazer pão é difícil.
Portanto, torna-te padeiro.

Mas, num pão não se mora.
Portanto, constrói casas.
Construir casas é difícil.
Portanto, torna-te pedreiro.

Porém, em cima de uma montanha não se constroem casas.
Portanto,transporta a montanha.
Transportar montanhas é difícil.
portanto, torna-te profeta.

Porém, os pensamentos não se ouvem.
Portanto, fala.
Falar é difícil.
Portanto, torna-te o que és

E segue murmurando, só para ti,
criatura inútil.

Eu falo dos que não falam /Hans Magnus Enzensberger/ Ed. Brasiliense, 1985.